quarta-feira, maio 31, 2006

TROFÉU POTI

Raquel de Souza
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A luta coletiva de defesa do Centro Histórico me premiou

Depois da surpresa de ganhar o reconhecimento de um prêmio como o do Diário de Natal de produtor cultural do ano, vem a indagação das razões que levaram a conquista do tão almejado troféu O Poti.

Ainda em meio à forte emoção do primeiro momento, as primeiras palavras foram de agradecimento aos que estiveram conosco nos primeiros momentos de atividade artística. Vieram as lembranças dos finais de semana na Praia dos Artistas, quando no final dos anos '70 fazíamos a Galeria do Povo.

A Galeria do Povo era um movimento artístico a céu aberto, quando realizávamos exposições espontâneas de poesias, crônicas, artigos, recortes de jornais e revistas, artes visuais, esculturas e faixas de manifestações políticas.

Foi da Galeria do Povo que vieram os Festivais de Artes do Natal, no Forte dos Reis Magos, e as comemorações ao Dia da Poesia, realizadas, a princípio, romanticamente, e que se tornou data que se sedimentou no calendário de eventos da cidade.

Foram anos de muito romantismo na arte potiguar e que possibilitaram um ajuntamento de artistas das mais variadas manifestações e matizes, sem nenhuma preocupação de escolas ou tendências.

Dos tempos românticos aos dias de hoje, muitas promoções realizamos. Algumas vitoriosas, outras fracassadas. E muitos sonhos ficaram pelo caminho. Lembro 'O Dia da Criação', quando estivemos à frente da Associação dos Artistas Plásticos do RN, que, como tese, era algo a se esperar muito e que dele praticamente nada ficou. As limitações financeiras sempre foram vetores de alguns desses fracassos. Outras vezes, nem essas limitações impediram o sucesso de promoções sonhadas e realizadas.

Lembro a criação da Casa do Produtor Cultural pela FJA, da qual fui o primeiro administrador por pouco mais de três meses, e da tristeza de vê-la se acabar, poucos anos depois, à falta de quem zelasse pela idéia.

Claro que o passado de quem labuta nas artes da cidade há quase 30 anos, deve ter pesado na escolha de quem trouxe a mim essa homenagem.

Mas, creio, o trabalho recente deve ter pesado mais nessa escolha.

Com certeza, o trabalho à frente da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências foi de fundamental importância para esse reconhecimento.

Foi através da SAMBA que pudemos desenvolver um trabalho quase que cotidiano em defesa do nosso centro histórico. Já até se perdem na nossa memória o tanto de eventos realizados, todos tendo como preocupação primeira chamar a atenção de autoridades e da própria população para a importância de se preservar o local que foi berço da cidade.

Para tanto, foi preciso novo ajuntamento de pessoas interessadas para o trabalho coletivo. E quantos não foram os que já estavam nesse ajuntamento nesses 30 anos de dedicação?

Mas muitos outros vieram nessa soma necessária. Trouxeram idéias e delas se fizeram atitudes que procuraram dar força ao movimento cultural que emergia do centro da nossa Natal antiga e tão contemporânea, com seus novos poetas, músicos, atores, bailarinos, artistas plásticos, jornalistas, enfim, toda uma gama de pessoas que nem só queriam fazer crescer o movimento cultural que vivemos, como despertar cada vez mais o amor pela nossa cidade e sua cultura.

O ajuntamento cresceu e os eventos vieram, culminando com os ousados II Festival Gastronômico do Beco da Lama em três etapas consecutivas, o I Réveillon do Centro Histórico e o I Carnaval do Centro Histórico.

O Festival Gastronômico do Beco da Lama, o PratodoMundo, tendo, embutida em si, a pretensão de tentar transformar o nosso centro em Praça de Alimentação também para quem nos vista. Lutar pela preservação patrimonial, com olhos para o turismo, é buscar a nossa história ali viva e cheia de atrativos, desafiando escritores e alimentando sonhos e devaneios de novas gerações.

O Réveillon do Centro Histórico tentando e conseguindo preparar o Carnaval que há anos sonhávamos e que morto estava há pelo menos três décadas no nosso centro.
Esses foram os últimos eventos de nossa gestão. A eles, creditamos, talvez, a lembrança da premiação.

Mantivemos com estes três eventos uma relação de paixão. De gana em realizá-los. Mesmo diante de incompreensões e da muita dificuldade que foi fazê-los.

Hoje, não estou mais à frente da bem-amada Samba. Mas a entidade de defesa do nosso centro está consolidada e é uma referência da cidade. Uma referência forte, porque de bem-querer e porque de identidade, de pertencimento.

Aos que hoje a administram, ficou a responsabilidade de tocar o trabalho deixado. Inclusive a busca de compromissos firmados para melhorias físicas do espaço urbano, buscados junto a vereadores e firmados pelo prefeito da cidade.

As parcerias culturais para a realização de eventos estão consolidadas. Fundação José Augusto, Capitania das Artes e Agência Cultural Sebrae foram e são fundamentais para o sucesso do trabalho feito e a realizar.

Parto, individualmente, para novas iniciativas. Algumas, de caráter particular. Mas não poderei esquecer, jamais, a força que sempre os trabalhos coletivos tiveram em minha vida neste difícil, mas prazeroso, campo das artes.

Aos que estiveram conosco neste trajeto, deixo sinceros agradecimentos, ao tempo que, com todos, partilho a glória deste troféu Poti.

A todos, muito abrigado, na certeza de que ainda estaremos juntos em muitos outros projetos.

Eduardo Alexandre

sexta-feira, maio 26, 2006

ELINO, ARTISTA DO ANO

Argemiro Lima/DN
Elino é o artista do ano

Nem a tristeza da perda foi capaz de apagar o reconhecimento que os potiguares têm por Elino Julião. O cantor e compositor, que faleceu no último sábado em decorrência de um aneurisma cerebral, foi escolhido com o Artista do Ano na segunda edição do Prêmio Cultural Diário de Natal, que encerrou a cerimônia de entrega do troféu O Poti às 22h10 desta quinta-feira (25/05).

Elino Julião foi representado pela viúva, Venerana Araújo, e o filho do compositor. "Com certeza, Elino está muito feliz", ressaltou a viúva. "Uma das maiores alegrias de Elino era quando executava seu trabalho na sua terra", acrescentou Venerana sobre a homenagem do voto popular.

Além dos artistas premiados, a cerimônia de entrega do troféu O Poti teve um cerimonial típico norte-riograndense. Músicos, dançarinos e atores potiguares fizeram a festa no palco do Teatro Alberto Maranhão.

Após a homenagem prestada à memória do cantor Elino Julião no pátio externo do Teatro Alberto Maranhão, teve início, às 20h, a cerimônia de premiação com shows e apresentações de artistas da terra.

A cantora Valéria Oliveira e os Agredados Família do Rap abriram a cerimônia com um show de muita luz e coreografia. Em seguida, a apresentadora Quitéria Kelly encantou o público com muito humor e criatividade.

O diretor geral do Diário de Natal, Albimar Furtado, destacou que a elaboração do Prêmio Cultural e escolha dos indicados foram feitas em várias reuniões que exigiram grande exercício de criatividade. O diretor ressaltou que a arte é o melhor caminho para transformação do homem.

Hugo Macedo
Hugo Macedo
Dimas ganhou o Troféu Poti: escultura

Confira a lista dos ganhadores

Instituição que mais apóia a cultura sem fins lucrativos - Casa da Ribeira
Empresa que mais apóia a cultura - Banco do Brasil
Produtor cultural - Eduardo Alexandre
Dança - Edson Claro
Cinema - Jussara Queiroz
Escultura - Dimas Ferreira
Literatura - Oswaldo Lamartine
Teatro - Lenilton Teixeira
Pintura - Erasmo Andrade
Música - Manoca Barreto
Conjunto da Obra - Grupo Araruna
Artista do Ano - Elino Julião


Marline Negreiros

domingo, maio 14, 2006

NATAL DOS IDOS 40

Alex Gurgel
Registro

Como havia um Beco no meio do caminho, fiz dele o beco que passou em minha vida.
Do beco, por ser viço, fez-se vício que, como droga, contagia e arregimenta, multiplica-se.
Como na sarjeta do vício havia um corpo, no beco, o bolero entoado em desafino juntou-se a um violão que juntou-se a uma caixa de fósforos, que se fez percussão. Alimento.
Do bolero nasceu a banda e da banda fez-se espetáculo.
E vieram festas e vieram vozes e veio o coro no meio da noite em serenata.
A menina, linda menina, fez-se encantada praieira ao som da flauta, que fez-se harmônica, que fez-se sinfônica, que um dia chegará ao Beco que desnuda-se em todas as madrugadas.
No meio da cidade, da minha cidade, havia um beco. Um beco tão grande que tinha nome de rua e era pai de todos os becos. Não os da cidade, mas pai de todos os becos do mundo, abençoado Beco.
Sua cidade decerto tem um beco como a minha. Um beco da lama como o meu.
Se não tiver, deve ser triste a sua cidade.
E deve ser triste porque na sarjeta do vício feito beco não haverá um bêbado cantando a volta do boêmio. Volta ao beco, ao álcool, ao vício maior que é o próprio beco.
Não por ser o Beco pelo Beco, mas pelo que ele guarda em suas canções tristes ou baladas alegres, beco que se desfaz em sorrisos e tem pernas de apaixonada amante, sempre aberta a amar por amar. Como vício.
Vício de ser e querer ser sempre beco. Ou beco ser enquanto ente: vivo, pulsante, feito ribombares de zés-pereiras em sábados de carnaval.
Nesse Beco, rio de minha vida, por sorte ou ventura, havia um tamborete e havia uma mesa que pedia uma cerveja que pedia companhia.
Da companhia, o beco fez-se confraria e a confraria tomou a cidade por não se bastar a si mesma.
E foram tantos os becos, tantos os bêbados trôpegos que não se pode mais: de beco da cidade, a cidade tornou-se beco de seu próprio beco, pois dele encantou-se para poder ser, com nome, identidade e todas as digitais guardadas - registro de antigamente em cartórios de saudade: poesia.

Eduardo Alexandre



Natal dos Idos 40

Como era Natal nos anos 40? Natal era cidade modorrenta e provinciana, 40 mil habitantes espremidos entre Ribeira e Cidade Alta, até a avenida Deodoro, se muito. O resto era a pobreza franciscana das Rocas, os sítios do Tirol, a mata de Petrópolis, o Alecrim ensaiando os primeiros passos.
Sem muitas perspectivas. Mesmo os filhos da terra, faziam feroz autocrítica.
- Cidade do já teve, classificavam, ironizando a apatia reinante, onde a maioria se masturbava sadicamente quando iniciativa das mais audazes entrava em colapso.
- Uma fazenda iluminada, nada mais, definia João Machado.
Mas, assim como as pessoas, as cidades têm o seu instante de afirmação, o seu dia de superação, o empurrão providencial, o chamado passo a frente decisivo e consagrador.
Para Natal, este momento foi a II Grande Guerra, ou, para sermos mais minudentes, justamente na fase em que, triunfantes e arrogantes - ocupadas e vencidas a Polônia, a França, os Países Baixos e Nórdicos, humilhada a Inglaterra no desastre de Dunquerque - os germânicos voltaram cobiçosos olhos para as reservas petrolíferas do Continente Negro.
- Estamos vivendo os primeiros anos do I Milênio do III Reich - perorava Hitler em seus histéricos discursos.
E, de fato, a Germânia parecia a senhora do mundo, com suas moderníssimas armas, as blitzs, o rolo compressor das pan-diviziones, as minas espalhando terror pelos mares do mundo.
Os aliados, então, concluíram que se os nazistas realmente se apoderassem do petróleo africano, tudo estaria perdido.
E resolveram enfrentar o invicto Von Rommel de peito aberto, frente a frente, na base do agora ou nunca.
E onde entra Natal neste imbróglio, perguntarão vocês.

Natal, que dormitava sonolenta
Natal, dos tempos idos de 40
Recordo os belos bailes do Aéro
Num banco da Pracinha, ainda lhe espero
No Rex, sessão das moças, Quarta-feira
Natal, Cidade Alta e Ribeira
O bom você não sabe e eu lhe conto
O footing, à tardinha, no Grande Ponto!

É que Natal, como cidadela mais próxima da costa africana, era ponto estratégico por excelência, de importância vital, reconhecida e proclamada posteriormente como Trampolim da Vitória.
E pela Base de Parnamirim passaram a transitar, às centenas, diuturnamente, fortalezas voadoras transportando tropas, armas e víveres para fronts até então desconhecidos internacionalmente, mas que seriam celebrizados mais tarde como Tobruck e El Alamein, como os primeiros grandes passos da grande arrancada que seria, daí por diante, a caminhada até a parada final em Berlim. Enfim, a suspirada "virada" que transformaria os até então vencidos em vitoriosos.
Para garantir esta operação-África, foi preciso o suporte e o apoio logístico de milhares de brasileiros e estrangeiros, principalmente americanos que estabeleceram uma praça de guerra chamada Natal.
Uma base naval foi construída em tempo recorde, ampliadas e triplicadas as instalações da base aérea, construídos quartéis à toque de caixa, para alojar não apenas os infantes, mas grupos de artilharia antiaérea, de carros de combate, transferidos do sul do país. Foi a época das noites de blecaute, do receio de ataques inimigos, dos ricos a construir abrigos sofisticados em suas residências e a Prefeitura a cavar abrigos populares em praças e terrenos baldios.
Eu disse, acima, praça de guerra? Pois era.

Um dia, tudo se modificou
O burgo se internacionalizou
Nas ruas, o alegre do my friend
Moçada, pela mímica, se entende
Natal entrou fardada na História
Para ser o Trampolim da Grande Vitória
Valeu o sacrifício do seu povo
Na guerra, meu Natal nasceu de novo!

E além do soldado e do marinheiro verde-amarelo, tornaram-se figuras corriqueiras a povoar avenidas, ruas e becos da cidade, gorros de marinheiro e fardas cáqui dos my friends.
Digo mais: quando a batalha africana atingia o seu clímax, Natal passou a ser a cidade-descanso, a cidade dos dias de licença dos combatentes.
E o que almejava um jovem de 21, 22 anos, com os bolsos cheios de dólares, doidos para esquecer a loucura dos campos de batalha e as longas vigias a bordo de belonaves? Divertir-se, gozar o hoje em toda plenitude, pois o amanhã era uma incógnita.
Na Cidade, então, floresceu um estranho comércio de bares, restaurantes, casas noturnas, joalheiros, grandes magazines, mercadores de mil e uma especiarias, 99% dirigidos por aventureiros de todas as nacionalidades e pátrias. Os quais, como tão céleres e misteriosamente aqui se instaram, também, num abrir e piscar d`olhos, cerraram portas e fizeram malas. Quando terminada a Batalha da África, com a vitória aliada, as operações militares retornaram ao continente europeu, começando pela bota italiana da Sicília.
Mas, voltando aos idos 40, era natural, pois, que num clima de febricidade como aquele, houvesse freguesia para todos os gostos, mesmo os paladares mais requintados, a exigir bombons de luxo, doces em conserva, bebidas finas, artigos enlatados e conservas em geral.
Como disse o compositor em música, "na Guerra, meu Natal nasceu de novo". Foi. Porque, desde então, o progresso instalou-se definitivamente como artigo de fé no burgo, arquivada, bem arquivada, aquela maldição e pecha infamante de terra do já teve.
Como quem queria recuperar o tempo perdido, Natal nunca mais parou de crescer, de expandir-se e ampliar-se em novos horizontes, de abrir novas artérias e, das artérias, multiplicar-se em novos bairros, povoando-os de belas residências.
O comércio, então, tornou-se tentacular, cada dia maior, ganhando a Cidade Alta, atingindo com força total o Alecrim.
Um pequenino detalhe que virou rotina e que até então ninguém dava a mínima importância: quem chegava ao burgo gostava de seu jeitão, do clima, da brisa que sempre sopra, vinda do Atlântico mesmo nas tardes mais quentes. Da beleza paradisíaca de suas praias. Da maneira de ser do seu povo simples, a transformar, em cinco minutos, em amigo do peito, cidadão a quem nunca vira mais gordo, e a levá-lo para sua casa e a franquear-lhe as delícias de sua mesa típica.
A carne seca com feijão verde, macaxeira, farofa de bola, manteiga de garrafa, peixada, a caranguejada, o sarapatel, camarões, lagosta, a boa caninha com caju de conta.
Sim! E suas mulheres, lindas e esculturais? De virar cabeça!
Acrescente-se este ar de permanente feriado que a cidade tem, a pedir pernas para o ar, lazer, languidez, alegria, boemia, violão, seresta, amor...

José Alexandre Garcia

quinta-feira, maio 11, 2006

BRUACA

Humor – A quem interessar possa

E-mail enviado hoje pela manhã, para o becodalama@yahoogroups.com, com cópia (Cc), para Dácio Galvão e dezenas de outros endereços (CCo):

Abaixo, transcrevo nota publicada ontem, 10.05.06, na coluna Cena Urbana, de Vicente Serejo, n'O Jornal de Hoje.

HUMOR
De um boêmio habitante virtual do Beco da Lama, de iniciais EG, curto e perfeito, sobre esses tempos de mais feias exclusões e diabólicas tiranias na cultura municipal: "Bruaca é o jeito certo de dizer Brouhaha".

Sobre a nota, apenas para efeito de informação a quem pensou ser ela de autoria de Eduardo (Alexandre) Garcia, informo: não é.

Nada contra a frase nem contra a revista. Só mesmo para avisar que a frase não é de minha autoria.

Quanto às "mais feias exclusões e diabólicas tiranias na cultura municipal", concordo com Serejo.

Em trinta anos que faço cultura em Natal, nunca vi um cartaz ser reimpresso para se excluir uma atividade coletiva da cidade, nem uma frase caloteira como "não pago e pronto", como a dita ao maestro Duarte, ao cobrar 6 mil de cachê por duas saídas da banda Galo da Santa Cruz da Bica (constantes da programação oficial do carnaval oficial da prefeitura), durante o I Carnaval do Centro Histórico.

Infelizmente, o prefeito Carlos Eduardo concorda com tudo o que lhe é repassado por suas bases dirigentes e até manda rebater todas as possíveis questões levantadas em seu terreiro, quer esteja com razão quer não. É um prefeito que está se caracterizando pela retaliação, pela perseguição, pela compra gratuita de brigas evitáveis e especialmente pela ingratidão. Infelizmente. Porque o que os natalenses desejam mesmo é uma cidade melhor. Melhor administrada, também.

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia

sexta-feira, maio 05, 2006

A LATA

O memorialista da boemia completaria hoje 81 anos de idade.
“Recado - Álvaro Moreyra, segui o seu conselho: As amargas, não.”
José Alexandre Garcia, abrindo o Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia

Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia
José Alexandre Garcia

A Lata

Nos primeiros tempos, não havia W.C. ou simples mictório na Confeitaria.

Mijava-se numa desocupada lata de 5 quilos de ameixa, colocada num canto estratégico, não tão à vista da freguesia, mas também não tão oculta que dela não se apercebessem os necessitados.

Quando o conteúdo atingia os perigosos limites da borda, alguém dava o grito de alerta:

- Chega, Olívio, a bicha está cheia!

Aí, um garachué ou o próprio Portuga em pessoa, com infinitos cuidados para não respingar pelo chão ou sobre as próprias vestes, despejava-a em frente da Confeitaria, mas, de preferência, no meio-fio dos estabelecimentos vizinhos (se ninguém estava percebendo).

Quando era noite, assumia um olhar cúmplice e apontava a rua:

- Vire-se por aqui, mas cautela, meu rapaz, não me mije na porta da Confeitaria.

Aliás, dois vizinhos queixavam-se do intenso odor amoniacal, quando, de manhã levantavam as respectivas portas de ferro.

Eram Newton Rocha, o mais sociável dos sócios de Rocha & Irmão, e Aprígio Teixeira, vulgo Pipiu, que, de rústico homem de campo, tornara-se dono de farmácia, quando o velho e bonachão Dr. Guilherme resolveu aposentar-se.

Olívio fazia cara de inocente.

- Interessante, a porta do meu estabelecimento está sempre limpa.

Neste ponto, não resisto à tentação de contar uma história de Pipiu, que entendia de criação e plantação, boi, vaca, feijão macassar, casa de farinha e feitura de rapadura e jamais de artigos farmacêuticos.

Um empregado novato na casa equivocara-se com um pedido e, quando o freguês mui justamente reclamou, Pipiu sentiu-se no dever de passar uma reprimenda no funcionário, à guisa de satisfação ao freguês.

- Cuidado, menino! Numa troca de remédio, você mata um desgraçado deste e onde vamos parar? Ele no cemitério, você no olho da rua e eu na cadeia!

Escusado dizer que, assombrado com a perspectiva, o comprador nunca mais botou os pés nem na calçada da farmácia.

Mas, voltando à lata de Olívio, uma vez desenrolou-se uma quase tragicomédia entre o proprietário e José de Brito, irmão do despachante João de Brito, uma espécie de capataz dos ingleses em São Miguel e que, de raro em raro, vinha à capital.

Mas, quando vinha, tirava o atraso. Tomando uma Brahma braba, vingando-se das semanas e semanas de monotonia nos Cafundós de Judas, como justificava-se.

Naquela vez, acompanhou o irmão, assíduo do Português. Não sabia nada sobre mictórios, W.Cs. ou latas.

Depois de bem uma dúzia de cervejas, sentido a bexiga cheia, olhou dum lado e outro e, como não encontrou indícios do procurado, perguntou a João de Brito:

- Onde é que se verte água aqui?

- Ali, naquela lata – apontou displicente, o perguntado.

Zé de Brito levantou a dita cuja a jeito e chô, chô, chô.

Quando Olívio tomou ciência, a lata ameaçava transbordar.

- Cuidado para não me molhar o chão! – gritou.

E, de longe, com as precauções devidas, procurou entregar-lhe a lata sobressalente.

Zé de Brito, quando se aliviava, desligava-se do mundo. Parecia uma cachoeira caudalosa e interminável e não atinava como proceder à operação triangular de soltar a ferramenta, como chamava Gastãozinho, idem a lata cheia e apossar-se da substituta.

Olívio alarmava-se.

- Atenção! Atenção para não molhar as caixas de biscoitos!

Não houve jeito. Quando Zé de Brito abotoou a braguilha, a Confeitaria parecia ter sido lavada à mangueira, todo mundo com os pés levantados, em cima doutra cadeira, e Olívio e os garachués empenhados em sacudir água, passar creolina e enxugar o chão.