quarta-feira, maio 30, 2007

OUTUBRO, GALERIA DO POVO - 30 ANOS

Jaecy Júnior


Galeria do Povo

Eu fui passageira, ela ficou.
Sofreu transformações, metamorfoses, afinal isso faz parte do processo chamado VIDA.
E sendo vida, viva, a Galeria certamente não poderia ficar estática, indiferente ao que testemunhava nas diferentes épocas e tempos.
Entre as inúmeras incertezas do que ocorreria, tinha-se certeza que, nos sábados, ela estaria lá, baixo ao sol escaldante, bela, salgada, vibrante e amante.

Deborah Milgram

Marcus Ottoni

Galeria do Povo: A Arte que Faz bem

A Galeria do Povo representa toda a neurose dos artistas de Natal. Eu sinto nos sábados e nos domingos uma procura no lugar da Galeria do Povo por uma desrepressão danada. Pessoas que eu nunca imaginei que fizessem arte demonstrando as suas idéias com um pouquinho mais de integridade do que o que se vê por aí.

A Galeria representa aspirações acumuladas das pessoas que se envolvem com arte. Ela nasceu da necessidade de se mostrar arte para o povo em um contato que criará um movimento de descoberta das potencialidades que pessoas têm guardadas dentro de si.

Todas as manifestações artísticas estão sendo aceitas. Não temos discriminação contra qualquer linha de arte. O nosso intuito é fazer com que as pessoas que tenham alguma sensibilidade artística se libera do imobilismo generalizado existente.

Por a Galeria do Povo admitir todas as linhas artísticas, ela se torna uma coisa discutida, uma coisa papeada. São mãos que se juntam à procura de um denominador comum em contraposição è heterogeneidade apresentada.

Eu sei que aqui em Natal existem muitas pessoas pensando dessa maneira. Agora, o que falta nelas é o pique, é a coragem do contato com o povo. Estão ainda com muita marginalização na cabeça, pensando que a sua criação vai ser espezinhada pelo próprio povo.

O que a gente tem de fazer é justamente sair da limitação caótica. Mostrar abertamente as nossas ambições sonhadoras. Se envolver com a criatividade da Galeria Povo.

As pessoas ainda permanecem com muito medo de saltarem dos seus carros para olharem a Galeria. Acho isso angustiante. Eles mesmos criam a marginalidade que jogam pra cima da gente, invertendo as pontas da sensibilidade – característica predominante de quem não se interessa em esclarecer.

O dever do artista é criar espaços para o povo se meter dentro deles. E o povo se sentir com mais energia de enfrentar o dia seguinte. Ele, fazendo um pouquinho disso, estará fazendo um bem danado.

Carlos Gurgel
A República, domingo, 4 de dezembro de 1977

Marcus Ottoni

FESTIVAL DO FORTE // GALERIA DO POVO (1977 - 1º de Outubro - 2007)

ENTREVISTA DE EDUARDO ALEXANDRE A FILIPE MARQUES MAMEDE GALVÃO

Filipe Galvão - Quem foi ou quem foram os idealizadores do festival?

Eduardo Alexandre - Numa tarde de 1978, chegou ao muro da Galeria do Povo, em exposição na Praia dos Artistas, o artista plástico paraibano Sandoval Fagundes, que, à época, morava em Natal e mantinha um ateliê na rua Pinto Martins. Conversamos e ele sugeriu que ampliássemos aquele movimento com música, teatro, dança, sugerindo a realização de um festival.

Topei de imediato contribuir com a idéia, e sugeri que o Festival, que se chamaria Festival de Artes do Natal, se realizasse na Fortaleza dos Reis Magos, daí ficar conhecido como Festival do Forte.

Filipe Galvão - Você se lembra do que 'tinha' no festival? Algum causo/anedota? Fale um pouco sobre isso?

Eduardo Alexandre - O primeiro foi de apenas um dia e foi realizado na Fortaleza, no dia 30 de dezembro de 1978. Já com música, artes plásticas, poesia, fotografia.O segundo foi realizado no ano seguinte, também em um só dia, mas no Centro de Turismo, com uma produção praticamente solitária de Carlos Gurgel.

Em 1980 não houve festival, que voltou com força no ano seguinte, já com versão de três dias, e reunindo todas as artes. As exposições foram ampliadas e levadas agora às salas internas da edificação. Foi uma trabalheira colocar os quadros naquelas paredes de pedra.

No ano seguinte, 1982, iniciou-se um debate para criar-se ou uma cooperativa de artistas ou uma associação. Em 1984 já tínhamos a Cooperativa dos Artistas de Natal – Coart, dirigida por Chico Alves e a Associação dos Artistas Plásticos Profissionais do RN, presidida por mim, ambas com sede no Centro de Cultura, onde hoje funciona o Memorial Câmara Cascudo.

Nesse ano, vendo que o Forte já estava ficando pequeno para o público que a ele se dirigia, sugeri que a parte de espetáculos fosse realizada em um circo a ser montado diante do Forte, nas proximidades do Círculo Militar, mas a FJA, que tinha o Circo, deu parecer contrário, alegando que o solo arenoso e o vento não deixariam a lona em pé.

Os Festivais continuaram a ser realizados na Fortaleza por mais uns dois ou três anos, até ser levado para o Bosque dos Namorados e depois Cidade da Criança, onde foi realizada sua última versão.

Filipe Galvão - Quem era o público? Quais as influências políticas e culturais da época?

Eduardo Alexandre - O público era composto basicamente pela juventude, estudantes universitários e secundaristas, ávidos para mostrar e conhecer a produção artística que estava sendo feita em Natal.
Vivíamos tempos de ditadura e o movimento tendenciava ir de encontro àquela situação. Era um grito quase geral. A música brasileira era de muita criatividade e seus compositores faziam a cabeça da moçada contra aquela situação, que tinha n’O Pasquim uma trincheira de humorismo, informação e luta. O teatro também exercia reação, como boa parte da imprensa e da intelectualidade brasileiras. Era um tempo de muito inconformismo.

Filipe Galvão - O Festival, juntamente com a Galeria do Povo, era a tradução da contracultura local. Como você avalia esse tipo de iniciativa?

Eduardo Alexandre - Havia uma sede muito grande de se fazer algo, fazer aquela realidade mudar. O mundo inteiro estava passando por revoluções nos costumes, nas consciências, e era natural que isso desaguasse também em nossas terras. A liberdade que exercíamos na Galeria do Povo, contrariamente àquela repressão toda, era um apelo e um incentivo à grande participação que o movimento alcançou. Terra de poucos artistas até então, com a Galeria do Povo e os festivais, estes foram surgindo às dezenas, multiplicando-se em todas as áreas de manifestações artísticas.

Com a Galeria do Povo funcionando todos os finais de semana no local de maior afluência popular da cidade, que era a Praia dos Artistas, o surgimento de outros eventos ocorreu e muitos grupos se formaram a partir daqueles encontros de pé de calçada.

Filipe Galvão - Em relação à Galeria, quem eram os expositores? Qual a importância da Galeria na época? Quem freqüentava?

Eduardo Alexandre - Eu dizia à época que a Galeria do Povo surgira de uma necessidade de voz. Uma necessidade de se dizer em muro o que não se permitia dizer em jornais, censurados pela ditadura. Em abril de 1977, o presidente general Geisel fechou o Congresso Nacional e legislou por ele, causando grande revolta entre os cidadãos brasileiros. Naquele momento, foi que me veio o impulso de ir ao muro e protestar contra todo aquele absurdo. Comecei a preparar material para as primeiras exposições, a partir de oficinas que fazia no quintal lá de casa, com o pessoal da minha rua e adjacências do Tirol. O poeta Carlos Gurgel, quando iniciado o movimento em 1º de outubro daquele ano, teve uma importância fundamental, porque conhecia um maior número de pessoas ligadas à arte do que eu, egresso do jornalismo e de curso de Ciências Sociais. O repórter fotográfico Marcus Ottoni é outro nome que não pode ser esquecido nessa história, junto desde o princípio, documentando, e chegando a levar a Galeria do Povo ao Cruzeiro Novo, em Brasília, onde durante anos também funcionou.

Citar nomes num movimento grande como foi a Galeria do Povo é certeza de muita omissão. Mas lembro Fernando Gurgel, Assis Marinho, Novenil Barros, Nelson Quinderé, Nival Mendes, Ênio de Góes, João Natal (assinava João Maria, à época), Léo Sodré, Marcelo Fernandes, Marcelus Bob, Flávio Américo Novaes, Pedro Pereira, Valderedo Nunes, tantos, estes nas artes plásticas. Giovani Sérgio, Marcus Ottoni, Argemiro Lima, João Maria Alves, na fotografia foram alguns destaques. Marize Castro, Volontê, João da Rua, Flávio Resende, alguns dos poetas que mostraram ali seus versos pela primeira vez. Lembro também nomes como os de Sofia Gosson, Aluízio Matias, Dorian Lima, Venâncio Pinheiro, João Barra, Harrison Gurgel, Deoborah Iskin Costa, hoje Milgran, Mário Henrique Araújo, Talvani Guedes da Fonseca, Jota Medeiros, Clotilde Tavares, Carlos Jucá, Alamilton Lima, Marconi Ginani, Carlos Astral, João Gothardo Emerenciano, os irmãos Lola, Fon, Eustáquio... É muito difícil lembrar de todos.

A Galeria proporcionou o encontro de toda essa gente, para realizar trabalhos coletivos ou individuais, o que fez crescer o movimento cultural da cidade. As exposições eram realizadas aos sábados e domingos a partir das 10h, e nós não repetíamos trabalho, obrigando o pessoal a produzir sempre, para que tivessem seus trabalhos expostos. As exposições eram, portanto, sempre diferentes, inéditas, e normalmente traziam uma palavra de ordem em forma de faixa de manifestação ou em letras recortadas de papel e afixadas ao muro. "Por uma Democracia Verdadeira, Por um Brasil Feliz!"; "Ao Povo Brasileiro, o Direito de Escolher os seus Próprios Destinos: Pela Convocação da Assembléia Constituinte!" Por exemplo.

A Galeria do Povo não era comercial: era um movimento que buscava mostrar a necessidade de união popular para combater aquela situação política adversa que o Brasil vivia. Chegamos inclusive a criar o Partido do Povo Brasileiro, depois registrado por um grupo que não oferecia a menor confiança, da mais legítima direita, a mando do então presidente Zé Sarney, que quis transformar o partido de sustentação da ditadura, a Arena, neste Partido do Povo Brasileiro que criamos aqui. O registro foi efetuado por um testa-de-ferro, a mando de Sarney.


Alexandro Gurgel
Os pregos suspensos da Babilonia natalense.
Tribuna do Norte, 26 de julho de 1992

Quando me perguntaram sobre os dez anos que virão, penso em responder pelos quinze anos que passaram. Na próxima década, não sei se ainda vai ser preciso ficar de frente para Meca. O que pode acontecer é que talvez fiquemos um pouco perdidos entre o contemporâneo e a nostalgia, reflexo de um saudosismo que vai fazer parte do show.

A poesia mudou. As palavras ganharam formas geométricas e uma simples letra pode significar uma mensagem. Os muros viraram galerias para os poetas extravasarem os seus delírios urbanos, enquanto os bruxos se reproduziam nas telas dos até então pseudo-pintores.

Ao passear pelas ruas da classe média, já se podia ouvir os acordes caseiros de uma banda de rock que surgia. Rock, pintura e poesia passaram a ser a arma dos jovens artistas que surgiram da fusão dos ideais de liberdade dos anos 60 com o psicodelismo dos anos 70. A cidade era quase palco do show com seus poucos movimentos culturais.

Os loucos incompreendidos da vanguarda periférica provaram que a maior lucidez estava na livre interpretação de suas próprias criações. Os bobos da corte fizeram a história de uma arte que não era popular, nem de elite. Ela apenas existia e persistia pela pura inquietação de descobrir o poder da imaginação.

Acho que todos foram livres, mas muitos não foram livros. Muitos foram cantados, mas não foram discos.

Por isso, a história desses célebres incompreendidos está contada por meios alternativos e geniais que supriam toda a falta de uma infra-estrutura que incentivasse a arte local.

Uma dessas idéias é a Galeria do Povo, criada pelo poeta Eduardo Alexandre, o Bobo da Corte, como era conhecido por causa da sua persistência heróica em desenvolver um trabalho sem o respaldo das entidades competentes.

Mas, o mais importante disso tudo é que a Galeria do Povo teve o maciço apoio da população da cidade, tirando do anonimato um grande número de artistas urbanos que, pela primeira vez, pode sentir, do outro lado da rua, com a expectativa de um amador, a reação das pessoas; ou melhor, do povo, a passear os olhos pelas suas próprias criações.

A Galeria do Povo é hoje um documento de certidão de nascimento de todo esse movimento astístico-intelectual contemporâneo da cidade. Pergunte quem não passou por lá? Em termos de arte local, a sua representatividade é unanime.

Para mim, é um fenômeno que resistiu intempestivamente ao descaso das autoridades competentes e transformou-se na própria história da cidade. Nos finais de semana, quando o sol pintava a água do mar com seus raios prateados, o muro rústico e, às vezes, imponente, da Praia dos Artistas, acordava para abraçar a nata do underground que vinha desde a periferia até a zona sul, para depositar, em pregos suspensos, o cio da poesia e o devaneio dos poetas na Babilônia de tijolos aparentes que, por sua própria postura vertical-horizontal, contestou a censura e a repressão do regime militar pós-64.

A Galeria do Povo atravessou fronteiras e foi a Brasília, levando na bagagem obras de muitos natalenses que, como o próprio movimento, atravessaram a década, podendo desfrutar de seu até então sonhado e almejado lugar ao sol.

Não querendo invocar um certo paternalismo, sinto-me na obrigação de exaltar a prima idéia perseverante do poeta Eduardo Alexandre, pois, reconhecer que a Galeria do Povo foi o trem de partida para todo esse movimento hoje consistente que emoldura a arte popular da cidade, não é o suficiente quando se fez parte dele.

Os festivais de arte, os jornais alternativos, as produções coletivas foram conseqüência da causa maior de um artesão sonhador que, a cada prego que batia na parede com seu martelo, registrava a memória e contava a história da arte natalense.

Hoje, muitos já não são mais anônimos; são donos do seu próprio trem. Mas, nem por isso, a Galeria parou na última estação, porque, como todos nós que já viajamos por seus vagões, muitos ainda surgirão para tomar rumo a essa viagem. Pois, como a Praça Castro Alves, a Galeria também foi, é, e sempre será do povo.

Para finalizar, devo registrar duas frases que expus no muro da Galeria do Povo em 1979, que, sem querer, exprime toda essa explosão cultural dessa locomotiva dirigida por Eduardo Alexandre:

A vida é um trem que passa. E nós o vagão descarrilado.

Mário Henrique Araújo


Karl Leite
Criador da Galeria do Povo, movimento de arte surgido na Praia dos Artistas (Natal), em 1977, e que durante mais de 10 anos se fez presente todos os finais de semana no local, Eduardo já realizou mais de 500 exposições de rua.

Com 30 anos de atividades no campo da pintura, desde o princípio optou pela pintura abstrata. Foi presidente da Associação dos Artistas Plásticos do RN, gestor cultural da Câmara Municipal do Natal, diretor da Pinacoteca da Fundação José Augusto - FJA, administrador da extinta Casa do Produtor Cultural, também da FJA e Coordenador do Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza - Cedoc.

É também poeta, jornalista, e em 2002, organizou a antologia Cantões, Cocadas, Grande Ponto Djalma Maranhão(http://www.cantoes.blogspot.com/), que vem se consolidando como leitura obrigatória para os que querem conhecer a história da cidade do Natal.

Como poeta, publicou os livros Batman & Robin, um poema concreto da abstração vivencial, em 1982, em parceria com Carlos Gurgel, e Clip One, editado pela Clima Edições, em 1992.

Apresenta, na TV Câmara, canal 37, a cabo, em parceria com Leonardo Sodré, o programa Câmara Cultural.

Alexandro Gurgel
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Sobre a pintura de Eduardo Alexandre, disse

Vicente Vitoriano, crítico de Artes Plásticas do Diário de Natal e professor de Artes da Universidade Feral do RN:

Portais de Trevas e Luzes, a exposição de Eduardo Alexandre, na Pinacoteca do Estado, é uma overdose, pois se compõe de uma quase infindável série de pinturas, todas se dirigindo ao padrão "all over" de aplicação gestual das tintas. (...) É preciso atentar para a sutileza cromática por sob o manancial de tinta preta e de gestos apreensível nas telas. Aliás, ... está no uso literalmente incrível de tinta preta a grande sacada deste artista tão prolífico. Alexandre consegue manter uma limpeza genérica e uma integridade de cada cor em particular que faz alçar a sua prática pictórica a uma maestria. Daí ser necessário fixar-se na observação de cada obra, no esforço de abstrair-se das demais

Amélia Freire, ex-diretora do Centro de Promoções Culturais, da FJA:

A pintura de Eduardo Alexandre é impactante, instiga: ela nos obriga a penetrar em sim mesma.

Plínio Sanderson, poeta, prêmio Othoniel Meneses, de poesia, da Capitania das Artes:

A Pintura de Eduardo Alexandre não cabe em Natal. Tem que sair de nossas fronteiras, mostrar-se ao mundo.



Fina Abstração


Do povo faz Galeria
Alexandre grande bardo
Com seu prenome Eduardo
de renomada mestria
das artes faz alegria
com o seu quadro no ar
onde posso pendurar
a mais fina abstração
com as tintas da emoção
na piscina azul do mar

João Gualberto Aguiar


Crítica

Abstracionista de primeira grandeza

Raro amigo Eduardo Alexandre, poeta, escritor, pescador de sonhos pictóricos e domador de pigmentos.
Abstracionista de primeira grandeza, você é daqueles artistas plásticos que conseguem conduzir as cores por caminhos nunca vistos por olhos sensíveis e sem brilho, mas a mãe natureza é tão generosa que dá vida à arte e independe dos seres verem uma obra sua: ela é quem nos olha e nos toca, fazendo-nos ver, ouvir e degustar arte.
Eduardo Alexandre, o grande imperador das cores, dotado de uma inteligência singular e plural nas suas formas e contra-formas. Com habilidade no manuseio dos pincéis, que é a verdadeira história de botar a mão na massa, entre outros derivados de objetos germinados da mente florida e fértil.
Eduardo, você tem índole de paz e é leve na condução da realização de suas obras de arte, com segurança e fidelidade na sua originalidade de idéias. Por isso, sua pintura é viva porque provoca, com maestria, uma arte visceral e não está preocupada em agradar olhos que não têm o gosto de ver algo que lhe dê motivo de reflexão para questionar o belo ou o feio.
Eu posso citar artistas que fizeram opção natural pela escola abstracionista que são da sua estirpe, como: Kandinsk, Paul Klee, Jackson Pollock, Amilcar de Castro, Iberê Camargo, Manabu Mabe, Tomie Otake, entre outros importantes artistas.
Mas o interessante é que de Eduardo eu posso falar, tocar e recordar a época em que tinha cabelos longos e fazia manifestações culturais em uma galeria muito privilegiada pelo mar e pelo povo. Seu nome é Galeria do Povo, ícone da cultura potiguar.
Eduardo, você é um homem livre e suas idéias florescem na pintura, literatura, política e em qualquer campo que atue. Você é dotado de inteligência e força criativa e, o melhor: é um sonhador convivendo com a lucidez da loucura. Um feliz bobo cortejado pela corte da arte e por todas as facções tribais.
Meu amigo Dunga: sei que você existe e que na sua existência correm cores na sua essência de ser humano. Você é soberano dos seus atos e do seu traço de pura arte.

Do artista plástico e amigo,
Pedro Pereira
Abril de 2005



TODA A LINGUAGEM DO MUNDO:
EDUARDO ALEXANDRE,
O MUNDO COMO ARTE E TRANSFIGURAÇÃO

Por Marcílio Farias

"Não consigo compreender um artista para quem o seu trabalho não se configure como um doce manipular e engendrar dos hieróglifos da sedução. Toda arte que me fascina e comove exibe esse lembrar da linguagem sedutora do mundo". (Baudrillard)

"Tudo que existe na obra de arte, na verdadeira obra de arte, é o mundo - e o vestígio dele capturado entre os dedos do artista" (Merleau Ponti).



O dilema milenar entre a co-pertinência objeto estético versus reflexão objetivada do mundo produziu, ao longo dos mais de dois mil anos da chamada Cultura Ocidental, debates e reflexões, obras e produtos culturais que, em sua maioria, só serviram para encher galerias de museus cobertos de espelhos e mofo, ou estantes e mais estantes de bibliotecas públicas ou privadas, consultadas e visitadas por soi dissant intelectuais, para quem aquele dilema pouco significou, dado o tamanho dos egos envolvidos.

Nas artes plásticas principalmente, picuinhas e falsas-diatribes sobre qual indivíduo detinha a melhor técnica ou a melhor "estrutura" de realização soterraram sob montanhas de retórica auto-indulgente o melhor da criação estética humana.

Pouco ou quase nada foi acrescentado aquele bizantino farfalhar Hegel/Baumgarteano sobre a excelência ou não excelência dos chamados objetos estéticos.

Nada como um sopro de ar fresco numa sala repleta de miasmas.

E é essa a sensação que tive ao contemplar a magnífica produção de Eduardo Alexandre, em exposição na Fundação José Augusto a partir desta semana, no Espaço Cultural Odilon Ribeiro Coutinho.

A grande arte, nos fala Espinoza, é uma arte que dá testemunho claro da intersubjetividade reveladora do mundo de cada um e do mundo enquanto produto dessa fricção criativa. Os 25 quadros de Eduardo Alexandre sacodem e estremecem as conformistas e conformadas bases da estética latina a partir do momento em que colocam em nossa frente um artista que jamais temeu, ou temerá, dar o seu testemunho sobre uma humanidade à beira da extinção.

Rubem Valentim, amigo muito querido e um dos artistas maiores do século passado, disse-me antes de morrer que só existe um tipo de artista: "aquele que tem olho de enxergar". Lembro de Lúcia (sua esposa) arrematando: "o Rubem é assim mesmo, muito radical". E não poderia ser de outra forma: não existe meio termo em criação artística. Ou se corta a cabeça medíocre da acomodação a estilos, formas e que-tais, ou dá no que deu: estamos afundados até o pescoço em uma arte que apenas serve aos desvios e insânias de uma sociedade fraturada em nervo e osso, mergulhada até a alma em sangue e ignorância, restolho de um sonho aristotélico e megalomaníaco de grandeza que jamais chegou, ou chegará, a sua completa fruição, porque os lobos a comerão inteira, lambendo os beiços após destroçarem aquilo que as fezes civilizatórias engendraram.

Com Eduardo não tem meio-termo. Não tem oitos. Apenas oitentas.

Poeta, jornalista, gerente da cultura, ele me lembra Edmund Wilson, o mais lúcido paradigma do homo poeticus do início do século XX, até que a CIA o calou quase que para sempre.

Eduardo vai mais além porque, diferentemente de Wilson, ele é um criador consumado e, como tal, sabe onde está a raiz daquela máxima eficiência expressiva, único diferencial aceitável para a identificação da arte empulhadora e da arte significante.

As artes plásticas, ao mesmo tempo em que surgem no universo humanizante como silencioso vetor de revelação do mundo e do estar-posto-no-mundo, são também aquelas onde as fraudes, a duplicidade, a enganação e a lengalenga encontram modos e meios mais fáceis de esconder suas faces bajuladoras e serviçais. É preciso ter a coragem de um Gaudier Brzeska, a ironia de um Topor ou a ousadia de um Brancusi para jogar esses fantasmas no lixo e cuspir na cara dos mercadores de cores, formas e estruturas.

A arte de Eduardo Alexandre tem tudo isso: é corajosa ao redescobrir a exuberância do ato de "pintar" no acariciamento farto da tela, como se mostrasse ao mundo e ao homem desse mundo que a cor é viva, que a cor vive, que nós somos como ela, vivos, jamais cadáveres ambulantes, cegos conduzindo cegos numa via escura e úmida esperando pelo milagre de um guia protetor nel mezzo del camino...

A arte de Eduardo Alexandre é irônica por desmitificar e desmistificar o pedantismo acadêmico daqueles que se escondem atrás de redes pessoais de influência ou prestígio junto às rodinhas e rodelas do poder, como se saraus, whisky e votos fossem acessórios para a verdadeira criação. Prestem atenção à enigmática "Polassar", ou ao díptico "Crepúsculo no Gargalheiras" e Crepúsculo no Piató". Vejam (ênfase no VER) como a cor se revela e desvela enquanto um organismo vivo e vivente, como se o artista estivesse não apenas testemunhando concretamente o mundo, mas indo além e dizendo ao contemplador de sua obra: "ENXERGUE".

A arte de Eduardo Alexandre é ousada por ser antes de tudo pessoal, inimitável e intransferível. Tem sua marca visível em cada milímetro de tinta espalhada como mágica sobre a tela, como uma mandala tibetana, como um quilt navajo, como o som do shofar ao fim do dia. Poucos artistas nestes dois últimos séculos (o que acabamos de viver e o que, espero, se nos seja dada a oportunidade de viver) foram capazes de serem fieis a si mesmos da forma fervorosa, meditativa, com que Eduardo engendra sua processualidade criativa.

Digo processualidade porque para Eduardo não existem "processos" criadores ou criativos. Ele ultrapassou, com anos-luz de distância e folga, o prisma teorético de indagação ou questionamento sobre "processos". Para ele, o que existe é o ato criativo, puro e claro, transfigurado pela sua inimitável compreensão do que é a cor NO mundo, do que é a cor PARA o mundo, do que seria estar COM a cor e o mundo.

Por último, a resolução do dilema bi-milenar da arte e do objeto estético. Eduardo resolve essa querela de forma absoluta: ele demonstra, mostra e anuncia o fato artístico como a única realidade existente . Qualquer indagação ou abordagem teórica sobre o seu trabalho (inclusive esta humilde tentativa de levar você, acomodado leitor, meu irmão e semelhante, a vê-lo na Fundação José Augusto, de qualquer maneira que seja) é irrelevante porque, para Eduardo, pintura (como poesia, como produção/promoção cultural), arte de uma maneira geral, é um oficio, uma destinação, um compromisso inerente à sua condição de ser humano, perceptivo, sensível, e único.

Ver os seus quadros é obrigação de qualquer um que participe e seja atento (por um mínimo que seja) a essa perturbadora ciranda intersubjetiva à qual damos o nome de vida.

*Crítico de Arte


Karl Leite


A luta coletiva de defesa do Centro Histórico me premiou

Raquel de Souza
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Depois da surpresa de ganhar o reconhecimento de um prêmio como o do Diário de Natal de produtor cultural do ano, vem a indagação das razões que levaram a conquista do tão almejado troféu O Poti.

Ainda em meio à forte emoção do primeiro momento, as primeiras palavras foram de agradecimento aos que estiveram conosco nos primeiros momentos de atividade artística. Vieram as lembranças dos finais de semana na Praia dos Artistas, quando no final dos anos '70 fazíamos a Galeria do Povo.

A Galeria do Povo era um movimento artístico a céu aberto, quando realizávamos exposições espontâneas de poesias, crônicas, artigos, recortes de jornais e revistas, artes visuais, esculturas e faixas de manifestações políticas.

Foi da Galeria do Povo que vieram os Festivais de Artes do Natal, no Forte dos Reis Magos, e as comemorações ao Dia da Poesia, realizadas, a princípio, romanticamente, e que se tornou data que se sedimentou no calendário de eventos da cidade.

Foram anos de muito romantismo na arte potiguar e que possibilitaram um ajuntamento de artistas das mais variadas manifestações e matizes, sem nenhuma preocupação de escolas ou tendências.

Dos tempos românticos aos dias de hoje, muitas promoções realizamos. Algumas vitoriosas, outras fracassadas. E muitos sonhos ficaram pelo caminho. Lembro 'O Dia da Criação', quando estivemos à frente da Associação dos Artistas Plásticos do RN, que, como tese, era algo a se esperar muito e que dele praticamente nada ficou. As limitações financeiras sempre foram vetores de alguns desses fracassos. Outras vezes, nem essas limitações impediram o sucesso de promoções sonhadas e realizadas.

Lembro a criação da Casa do Produtor Cultural pela FJA, da qual fui o primeiro administrador por pouco mais de três meses, e da tristeza de vê-la se acabar, poucos anos depois, à falta de quem zelasse pela idéia.

Claro que o passado de quem labuta nas artes da cidade há quase 30 anos, deve ter pesado na escolha de quem trouxe a mim essa homenagem.

Mas, creio, o trabalho recente deve ter pesado mais nessa escolha.

Com certeza, o trabalho à frente da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências foi de fundamental importância para esse reconhecimento.

Foi através da SAMBA que pudemos desenvolver um trabalho quase que cotidiano em defesa do nosso centro histórico. Já até se perdem na nossa memória o tanto de eventos realizados, todos tendo como preocupação primeira chamar a atenção de autoridades e da própria população para a importância de se preservar o local que foi berço da cidade.

Para tanto, foi preciso novo ajuntamento de pessoas interessadas para o trabalho coletivo. E quantos não foram os que já estavam nesse ajuntamento nesses 30 anos de dedicação?

Mas muitos outros vieram nessa soma necessária. Trouxeram idéias e delas se fizeram atitudes que procuraram dar força ao movimento cultural que emergia do centro da nossa Natal antiga e tão contemporânea, com seus novos poetas, músicos, atores, bailarinos, artistas plásticos, jornalistas, enfim, toda uma gama de pessoas que nem só queriam fazer crescer o movimento cultural que vivemos, como despertar cada vez mais o amor pela nossa cidade e sua cultura.

O ajuntamento cresceu e os eventos vieram, culminando com os ousados II Festival Gastronômico do Beco da Lama em três etapas consecutivas, o I Réveillon do Centro Histórico e o I Carnaval do Centro Histórico.

O Festival Gastronômico do Beco da Lama, o PratodoMundo, tendo, embutida em si, a pretensão de tentar transformar o nosso centro em Praça de Alimentação também para quem nos vista. Lutar pela preservação patrimonial, com olhos para o turismo, é buscar a nossa história ali viva e cheia de atrativos, desafiando escritores e alimentando sonhos e devaneios de novas gerações.

O Réveillon do Centro Histórico tentando e conseguindo preparar o Carnaval que há anos sonhávamos e que morto estava há pelo menos três décadas no nosso centro.
Esses foram os últimos eventos de nossa gestão. A eles, creditamos, talvez, a lembrança da premiação.

Mantivemos com estes três eventos uma relação de paixão. De gana em realizá-los. Mesmo diante de incompreensões e da muita dificuldade que foi fazê-los.

Hoje, não estou mais à frente da bem-amada Samba. Mas a entidade de defesa do nosso centro está consolidada e é uma referência da cidade. Uma referência forte, porque de bem-querer e porque de identidade, de pertencimento.

Aos que hoje a administram, ficou a responsabilidade de tocar o trabalho deixado. Inclusive a busca de compromissos firmados para melhorias físicas do espaço urbano, buscados junto a vereadores e firmados pelo prefeito da cidade.

As parcerias culturais para a realização de eventos estão consolidadas. Fundação José Augusto, Capitania das Artes e Agência Cultural Sebrae foram e são fundamentais para o sucesso do trabalho feito e a realizar.

Parto, individualmente, para novas iniciativas. Algumas, de caráter particular. Mas não poderei esquecer, jamais, a força que sempre os trabalhos coletivos tiveram em minha vida neste difícil, mas prazeroso, campo das artes.

Aos que estiveram conosco neste trajeto, deixo sinceros agradecimentos, ao tempo que, com todos, partilho a glória deste troféu Poti.

A todos, muito abrigado, na certeza de que ainda estaremos juntos em muitos outros projetos.

Eduardo Alexandre




quarta-feira, maio 23, 2007

O BOBO DA CORTE