NEM ERA CIDADE
Hugo Macedo

Era rio
Depois da resistência,
holandeses vencidos,
muitos se foram
poucos ficaram
a contemplar o rio
como em vigília
Foram anos, décadas
Três séculos de monotonia
e medo da escuridão
Uns, guardados pela Fortaleza
outros, na duna alta
ribanceira oposta ao mangue
de longe, a vigiar a barra
Em volta da capelinha,
deixada da fundação,
cabanas foram ficando
a demarcar meio à mata
sítios ermos, ali, ali
A oeste, o rio pequeno
de beber água boa, pura
como aqueles dias
de muita espera
- Tijuru?
- Tissuru, respondia o índio
A pesca, a caça, a coleta
a criação de pequeno porte
a agricultura de poucos elementos
o cuidar dos animais
eram o fazer do dia-a-dia.
Marasmo da vida inteira
Natal nem era cidade
mas o Potengi era rio
Caminho e praça
Defronte à capelinha
Rua Grande traçada
foram moldadas em taipa
residências perfiladas
Terreiro destocado, praça
e um caminho
a beber água
Anos e anos
de caminho e praça
vida sem graça
pouco afazer
Cidade nem era,
mais era um caminho
ou Rua do Caminho
De água beber
Relíquia esquecida
Os bichos sempre rondavam
no índio, não se confiava
Eram difíceis os dias
As noites da Rua Grande
eram escuras qual breu
Meninos sempre chegando
rapazes e moças casando
famílias se multiplicando
a exigir outras casas
Assim, beirando o caminho
seguindo o risco d’areia
por trás da capelinha
a Rua Direita se fez
Estratégica segunda rua
levava a pontos extremos:
À bica, ao Forte,
passando pela Ribeira
tornada bairro depois
Tal rua, hoje pequena
de nome “da Conceição”
foi Governo, Tesouro.
Hoje é História;
é solidão.
O chão dos maiorais
Por trás da Rua Direita
a pobreza das casas de palha
Entre elas,
a Rua do Meio
Na verdade, um beco de águas servidas
Mau cheiro, lama
- e doces sem-vergonhices -
Alvenaria chegando
choupanas substituídas
a pobre Rua da Palha
ficou rica, charmosa
Vieram desfiles, festas
virou chão de maiorais
Os primeiros carnavais foram ali
também, os sábados de zés-pereiras
Rapazes em festa na rua
moças discretas, em altas janelas
Rua de poetas, políticos
seara de intelectuais
Palco de cultura e perfídia
comércio,
Maçonaria
Boemia do Potyguarânia,
noites sem fim de cachaça
serestas, amores
de lá planejou-se a cidade
E muitas conspirações.
Cantão da alegria
A Praça da Alegria
não via o passar das horas
Em sombras de gameleiras
era encontro, conversas, festa
Foi o primeiro cantão
ágora de toda gente
Ali se reuniam
o amor, a infelicidade
Foi grande ponto de outrora
Os rumos de suas auroras
fez agigantar-se a cidade
em busca de outros caminhos
cruzados a ruas novas
Serestas, recitais, fandangos
Era a alma da Natal antiga
Fervilhava de gente à noitinha
à lua, só os boêmios cantavam
Santa praça de santo
protetor de toda a cidade
São João Maria, acalanto
hoje de bondade brônzea
é fé
é esperança,
é doce – e grata –
toda alcançada graça.
Alma da cidade
Presidente da Província,
passando da Rua Nova,
Sarmento limpou artéria
apontando para os morros
da chamada Solidão
(Tirol de antigamente)
Grande Ponto cheio de graça,
na esquina dessas ruas
um Café deu nome ao ponto
por onde cem anos depois
bondes cruzar-se-iam
e toda gente circularia
em busca de novidades
No entorno, lojas
cinemas, sorveterias
bares, confeitarias
e uma boca metálica
no poste daquela esquina
a dizer notícias de guerra
Porto de todo dia
de todas as horas do dia
a Rua Sarmento de ontem
tornou-se Inhomerim
depois, Pedro Soares
e João Pessoa, por fim
Esquecida talvez de si
foi, durante décadas
a referência maior:
- assunto -
alma de toda a cidade
crescida das glórias dali.
Eduardo Alexandre

Era rio
Depois da resistência,
holandeses vencidos,
muitos se foram
poucos ficaram
a contemplar o rio
como em vigília
Foram anos, décadas
Três séculos de monotonia
e medo da escuridão
Uns, guardados pela Fortaleza
outros, na duna alta
ribanceira oposta ao mangue
de longe, a vigiar a barra
Em volta da capelinha,
deixada da fundação,
cabanas foram ficando
a demarcar meio à mata
sítios ermos, ali, ali
A oeste, o rio pequeno
de beber água boa, pura
como aqueles dias
de muita espera
- Tijuru?
- Tissuru, respondia o índio
A pesca, a caça, a coleta
a criação de pequeno porte
a agricultura de poucos elementos
o cuidar dos animais
eram o fazer do dia-a-dia.
Marasmo da vida inteira
Natal nem era cidade
mas o Potengi era rio
Caminho e praça
Defronte à capelinha
Rua Grande traçada
foram moldadas em taipa
residências perfiladas
Terreiro destocado, praça
e um caminho
a beber água
Anos e anos
de caminho e praça
vida sem graça
pouco afazer
Cidade nem era,
mais era um caminho
ou Rua do Caminho
De água beber
Relíquia esquecida
Os bichos sempre rondavam
no índio, não se confiava
Eram difíceis os dias
As noites da Rua Grande
eram escuras qual breu
Meninos sempre chegando
rapazes e moças casando
famílias se multiplicando
a exigir outras casas
Assim, beirando o caminho
seguindo o risco d’areia
por trás da capelinha
a Rua Direita se fez
Estratégica segunda rua
levava a pontos extremos:
À bica, ao Forte,
passando pela Ribeira
tornada bairro depois
Tal rua, hoje pequena
de nome “da Conceição”
foi Governo, Tesouro.
Hoje é História;
é solidão.
O chão dos maiorais
Por trás da Rua Direita
a pobreza das casas de palha
Entre elas,
a Rua do Meio
Na verdade, um beco de águas servidas
Mau cheiro, lama
- e doces sem-vergonhices -
Alvenaria chegando
choupanas substituídas
a pobre Rua da Palha
ficou rica, charmosa
Vieram desfiles, festas
virou chão de maiorais
Os primeiros carnavais foram ali
também, os sábados de zés-pereiras
Rapazes em festa na rua
moças discretas, em altas janelas
Rua de poetas, políticos
seara de intelectuais
Palco de cultura e perfídia
comércio,
Maçonaria
Boemia do Potyguarânia,
noites sem fim de cachaça
serestas, amores
de lá planejou-se a cidade
E muitas conspirações.
Cantão da alegria
A Praça da Alegria
não via o passar das horas
Em sombras de gameleiras
era encontro, conversas, festa
Foi o primeiro cantão
ágora de toda gente
Ali se reuniam
o amor, a infelicidade
Foi grande ponto de outrora
Os rumos de suas auroras
fez agigantar-se a cidade
em busca de outros caminhos
cruzados a ruas novas
Serestas, recitais, fandangos
Era a alma da Natal antiga
Fervilhava de gente à noitinha
à lua, só os boêmios cantavam
Santa praça de santo
protetor de toda a cidade
São João Maria, acalanto
hoje de bondade brônzea
é fé
é esperança,
é doce – e grata –
toda alcançada graça.
Alma da cidade
Presidente da Província,
passando da Rua Nova,
Sarmento limpou artéria
apontando para os morros
da chamada Solidão
(Tirol de antigamente)
Grande Ponto cheio de graça,
na esquina dessas ruas
um Café deu nome ao ponto
por onde cem anos depois
bondes cruzar-se-iam
e toda gente circularia
em busca de novidades
No entorno, lojas
cinemas, sorveterias
bares, confeitarias
e uma boca metálica
no poste daquela esquina
a dizer notícias de guerra
Porto de todo dia
de todas as horas do dia
a Rua Sarmento de ontem
tornou-se Inhomerim
depois, Pedro Soares
e João Pessoa, por fim
Esquecida talvez de si
foi, durante décadas
a referência maior:
- assunto -
alma de toda a cidade
crescida das glórias dali.
Eduardo Alexandre