Recanto de cultura
Paulinho a Cores e Chagas Lourenço Bob Motta se apeia da moto, tira o capacete e se apresenta num boa tarde sonoro e sorridente. Traz, pronta na língua, a poesia matuta feita no dia, e vem conferir a aceitabilidade da dita.
Mesa boa em Nazaré, Bob senta e a conversa segue adiante, Chagas Lourenço contando proezas de sedução fácil de rapazote, nos tempos que amigou-se com Neuza Margarida Nunes e vivia na Ribeira, de cabaré em cabaré, haja cachaça!
- Seu Chagas, o senhor é fichinha pro mano véio aqui. Desafiou Bob Motta.
Espantado, Chagas deu uma tragada no seu Ramon Allones cubano; desceu a mão ao copo de cerveja geladinha que estava sobre a mesa, acompanhou as volutas de fumaça no ar; até que resolveu responder:
- Mais do que eu, eu sei que você conhece do assunto, seu Bob. Mas mais do que eu e Paulinho a Cores junto, você não conhece, não!
Percebendo o desafio aceito, Plínio Sanderson arregalou mais ainda os olhos e o Bardin fez tremer no pandeiro toque de execução de sentenciado.
- Esperaí queu vou pegar caneta e papel! Foi o tempo que Cabrito pediu para registrar o entrevero para a Capitão Gancho Produções Artísticas.
Eu vi Danusa de Salles,
dizer na televisão,
que nas Rocas, tão querendo,
fechar nossa diversão.
O fim da Rua São Pedro,
além de me causar medo,
me entristece o coração.
Sapecou Bob, em meio ao silêncio que se fez ao retorno de Cabrito.
Não era à toa que o assunto girava em torno de cabaré: aquele era o dia do fechamento da Rua São Pedro a chumbreganças comércio/amorosas.
E se falava de Maria Boa, Rita Loura, o Arpege, recursos, até da Transamazônica, manguezal da Praia do Forte.
Chagas estava numa de nostalgia de fazer dó. Como Neuza fazia falta! E lembrava as madrugadas de fim-de-farra tomando as saideiras com caldo de feijão a cavalo da Tenda do Cigano.
Conhecia tudo, o menino. Mas o dia era de Bob e ele estava interessado na estória. Consentiu e Bob levou adiante:
- Se eu fosse capaz de impedir esse estrupício, eu iria à Promotoria pra dizer:
Ilustríssimo Promotor:
No aspecto cultural,
nas Rocas, rua São Pedro,
é, além de colossal;
manancial de memória,
que se confunde com a história,
da cidade do Natal.
Como todo bom bar que se preza tem a mesa dos comunistas, Albérico, o diretor de organização do PCdoBeco se levantou, dedo vibrando no ar:
- Valeeeeeeeeeeeu, Bob Motta! Alguém tem que levantar a bandeira da defesa da Rua São Pedro!
Quando sentou, na aba lateral do bucho, levou beliscão forte de Marta, para fazê-lo esquecer tempos outrora ali vividos, gastando em três dias todo o salário do mês, ouvindo música de radiola de ficha, a rapariga no colo, e a vida que pediu a Deus no mundo.
Em nome da boemia,
sob o céu de azul anil,
não feche os bregas, doutor;
Se as radiolas de ficha,
deixarem de funcionar,
doutor, com toda certeza,
o senhor vai se tornar,
digo, nos versos que faço:
O coveiro de um pedaço,
da cultura potiguar...
Albérico não agüentou de emoção e levantou bruscamente, aplaudindo. Todos os outros comunistas foram solidários e levantaram também.
A última foi Marta.
- Eu sabia que um dia você ia entender porque eu dizia que a Rua São Pedro era um recanto de cultura da cidade do Natal... Disse Albérico, olhando-a nos olhos.
Levou um muxicão tão do condenado, que desandou e derrubou duas cadeiras, numa das quais estava a bolsa de Marta, que caiu na lama do beco de Nazaré.